Amas ou não uma mulher, mas não sabes porquê. Como hás-de poder saber a razão do bem e do mal?
Sobre o Autor
VergÃlio Ferreira
Importante escritor português, VergÃlio Ferreira continua influenciando autores no mundo todo. Foi eleito, inclusive, como sócio da Academia Brasileira de Letras.
Teve uma ideia, tão original e tão esquematizada em máxima sentenciosa, que se tornou um lugar-comum e perdeu a originalidade. Mesmo para quem a criou.
Morrerás em breve. É incontestável. E quanta verdade morrerá contigo sem saberes que a sabias. Só por não teres tido a sorte de num simples encontro ou encontrão ta fazerem vir ao de cima.
De duas ou mais dores simultâneas, a nossa atenção escolhe uma e quase esquece as outras. Na ruÃna do nosso tempo, vê se escolhes o mais importante dela. Evitarás assim o ridÃculo de chorar a perda de um alfinete numa casa que te ardeu. E a História olhar-te-á com simpatia - talvez vá mesmo para a cama contigo.
Não exibas tanto o esplendor dos teus dentes. Eu sei que são postiços. Mas há quem não sabe, dizes. Pois. Mas ainda que eu não soubesse, sabia-lo tu. Fecha a boca.
Não há amor como o primeiro, mesmo que esse primeiro seja o último.
Não te entristeças por não poderes já ver o que verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exactamente o mesmo que tu.
Amas ou não uma mulher, mas não sabes porquê. Como hás-de poder saber a razão do bem e do mal?
Não afirmes o erro de uma verdade, antes de mudar o seu contexto. A menos que te dê gozo levar pedradas.
Um deles era muito inteligente e aprendeu tudo, entendeu tudo e levou isso tudo consigo quando morreu. O outro era razoavelmente estúpido e inventou um modelo aperfeiçoado de aguça-lápis. E existiu mais.
Os grandes sistemas do pensar, da ciência, as grandes correntes literárias e artÃsticas, os grandes ideários polÃticos ou religiosos. Tudo passou. Restos detritos fragmentos. Toma o teu bocado e senta-te no vão de uma porta a comê-lo.
Vive a vida o mais intensamente que puderes. Escreve essa intensidade o mais calmamente que puderes. E ela será ainda mais intensa no absoluto do imaginário de quem te lê.
A alegria do que nos alegrou dura pouco. A dor do que nos doeu dura muito mais. Vê se consegues poupar a alegria e esbanjares o que te dói. Vive aquela intensamente e moderadamente. E atira a outra ao caixote. Talvez chegues a otimista profissional e tenhas uma bela carreira de polÃtico.
Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.
Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se lêem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre.
O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele. Mas quanto mais odiares, mais ficas apenas do teu. Porque odeias tanto? Compra uma tabuada. E aprende a fazer contas.
Não se pode imaginar uma cor, fora das cores do espectro solar. Não se pode ouvir um som, fora da nossa escala auditiva. Não se pode pensar, fora das possibilidades da lÃngua em que se pensa.
Nenhum vÃcio se pode combater pelos malefÃcios que traz, mas sim, por não ser aceitável para a opinião que dele têm os outros. Se queres combater o tabaco, não digas que faz mal. Diz apenas que parece mal.