Livros de Vergílio Ferreira

Sobre o Autor

Vergílio Ferreira

Importante escritor português, Vergílio Ferreira continua influenciando autores no mundo todo. Foi eleito, inclusive, como sócio da Academia Brasileira de Letras.

Melhores Livros de Vergílio Ferreira

Nenhum vício se pode combater pelos malefícios que traz, mas sim, por não ser aceitável para a opinião que dele têm os outros. Se queres combater o tabaco, não digas que faz mal. Diz apenas que parece mal.

Falhaste a vida, é evidente. Mas não o digas. Porque haverá logo quem venha proclamar em alvoroço que tu mesmo afinal confessas que falhaste para o cretino trombeteiro se julgar menos falhado e os cretinos como ele.

Não se pode imaginar uma cor, fora das cores do espectro solar. Não se pode ouvir um som, fora da nossa escala auditiva. Não se pode pensar, fora das possibilidades da língua em que se pensa.

(...) Da minha língua vê-se o mar.

Não te queixes tanto das falhas de memória. Porque se soubesses tudo o que soubeste, não te poderias mexer. E então é que não terias nenhuma.

De que te serve a inteligência, se não tens inteligência para a usar com inteligência?

Uma história vivida não tem tempo de calendário - tem-no só no que se viveu.

Toda a verdade e todo o erro, se repetidos mil vezes, tendem a converter-se no seu contrário. Apenas pela razão de nos fatigarem.

A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.

Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder.

A melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira.

O mais odioso da guerra é a paixão que por ela se tem.

Há o que tem limite e o que é sem-limite. A arte é a forma perfeita da consciência destes opostos.

Toda a obra de arte é datada. A diferença entre a grande e a pequena é a que sobra dessa data.

O amor destrói. A amizade constrói.

Ri sempre de maneira que alguém fique, sem saberes, a chorar dentro de ti. Porque se o riso permanece, o que encontra dentro de ti é o idiota que lá estava à sua espera.

O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele. Mas quanto mais odiares, mais ficas apenas do teu. Porque odeias tanto? Compra uma tabuada. E aprende a fazer contas.

Há os livros que antes de lidos já estão lidos. Há os que se lêem todos e ficam logo lidos todos. E há os que nos regateiam a leitura e que pedimos humildemente que se deixem ler todos e não deixam e vão largando uma parte de si pelas gerações e jamais se deixam ler de uma vez para sempre.

Quais são as tuas palavras essenciais? As que restam depois de toda a tua agitação e projectos e realizações. As que esperam que tudo em si se cale para elas se ouvirem. As que talvez ignores por nunca as teres pensado. As que podem sobreviver quando o grande silêncio se avizinha.

A mulher mais ciumenta é talvez a que mais facilmente atraiçoa o marido e menos tolera que ele a atraiçoe. Porque o ciúme é a afirmação de um direito de propriedade. E esse direito reforça-se com a traição dela e diminui-se com a dele.

A razão é um elástico. Vê se consegues não a esticar muito para não rebentar.

No grande artista há uma falha a preencher e no pequeno uma falha a compensar. O primeiro nunca o consegue.

A morte nunca se aprende, mas pode-se saber-se de cor. As guerras sabem-no. E as epidemias. E um simples agente funerário.

O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.

A espécie compromete-se com um casal a que haja amor entre os dois. Mas logo que se apanha servida, vira-lhes as costas e eles que se arranjem.

Ama-se a vitória difícil, porque a derrota lhe preenchia quase todo o espaço possível. E foi com o que restava que se venceu em todo ele.

A verdade primeiro ama-se, depois demonstra-se.

O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.

O amor e o ódio são irmãos. Mas o ódio é um irmão bastardo.

Não poderás vencer a morte. Mas impõe-lhe a vida como um bandarilheiro e verás que muitas vezes ela marra no vazio.