Livros de Luís Vaz de Camões

Sobre o Autor

Luís Vaz de Camões

Luís Vaz de Camões - Poeta português nascido em 1524, provavelmente em Lisboa. Frequentou a corte de D. João III e de D. Sebastião. É considerado um dos grandes poetas da língua portuguesa.

Melhores Livros de Luís Vaz de Camões

Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos; E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado: Assim que só para mim Anda o mundo concertado.

No mundo quis o Tempo que se achasse No mundo quis o Tempo que se achasse O bem que por acerto ou sorte vinha; E, por exprimentar que dita tinha, Quis que a Fortuna em mim se exprimentasse. Mas por que meu destino me mostrasse Que nem ter esperanças me convinha, Nunca nesta tão longa vida minha Cousa me deixou ver que desejasse. Mudando andei costume, terra e estado, Por ver se se mudava a sorte dura; A vida pus nas mãos de um leve lenho. Mas, segundo o que o Céu me tem mostrado, Já sei que deste meu buscar ventura Achado tenho já que não a tenho.

Ditoso seja aquele que somente Ditoso seja aquele que somente Se queixa de amorosas esquivanças; Pois por elas não perde as esperanças De poder nalgum tempo ser contente. Ditoso seja quem, estando absente, Não sente mais que a pena das lembranças, Porque, inda mais que se tema de mudanças, Menos se teme a dor quando se sente. Ditoso seja, enfim, qualquer estado, Onde enganos, desprezos e isenção Trazem o coração atormentado. Mas triste de quem se sente magoado De erros em que não pode haver perdão, Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

Coitado! que em um tempo choro e rio Coitado! que em um tempo choro e rio; Espero e temo, quero e aborreço; Juntamente me alegro e entristeço; Du~a cousa confio e desconfio. Voo sem asas; estou cego e guio; E no que valho mais menos mereço. Calo e dou vozes, falo e emudeço, Nada me contradiz, e eu aporfio. Queria, se ser pudesse, o impossivel; Queria poder mudar-me e estar quedo; Usar de liberdade e estar cativo; Queria que visto fosse e invisivel; Queira desenredar-me e mais me enredo: Tais os extremos em que triste vivo!

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados? Depois de tantos dias mal gastados, Depois de tantas noites mal dormidas, Depois de tantas lágrimas vertidas, Tantos suspiros vãos vãmente dados, Como não sois vós já desenganados, Desejos, que de cousas esquecidas Quereis remediar mortais feridas, Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados? Se não tivéreis já longa expriência Das sem-razões de Amor a quem servistes, Fraqueza fora em vós a resistência. Mas pois por vosso mal seus males vistes, Que o tempo não curou, nem larga ausência, Qual bem dele esperais, desejos tristes?

O tempo cobre o chão de verde manto, que já coberto de neve fria, e em mim converte em choro um doce canto. E afora este mudar-se a cada dia, outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soia.

Ao desconserto do mundo Os bons vi sempre passar... ...no mundo graves tormentos E para mais me espantar... ...os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos ...tentando alcançar assim... ...o bem tão mal ordenado ...fui mal mas fui castigado ...e assim que só para mim anda o mundo consertado

Quem diz que Amor é falso ou enganoso, ligeiro, ingrato, vão, desconhecido, sem falta lhe terá bem merecido que lhe seja cruel ou rigoroso. Amor é brando, é doce e é piadoso. Quem o contrário diz não seja crido; seja por cego e apaixonado tido, e aos homens, e inda aos deuses, odioso. Se males faz Amor, em mi se vêem; em mi mostrando todo o seu rigor, ao mundo quis mostrar quanto podia. Mas todas suas iras são de amor; todos estes seus males são um bem, que eu por todo outro bem não trocaria.

Transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar; não tenho, logo, mais que desejar, pois em mim tenho a parte desejada. Se nela está minha alma transformada, que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, pois consigo tal alma está ligada. Mas esta linda e pura semidéia, que, como um acidente em seu sujeito, assim como a alma minha se conforma, está no pensamento como idéia: [e] o vivo e puro amor de que sou feito, como a matéria simples busca a forma.