Livros de Manoel de Barros

As coisas muito claras me noturnam.

Sobre o Autor

Manoel de Barros

Advogado e poeta brasileiro, Manoel de Barros é um dos principais autores contemporâneos do país. O Pantanal é tema frequente de seus escritos.

Melhores Livros de Manoel de Barros

Mais frases de Manoel de Barros

Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando.

Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.

Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.

O maior apetite do homem é desejar ser. Se os olhos vêem com amor o que não é, tem ser.

Sou livre para o silêncio das formas e das cores.

Natureza é uma força que inunda como os desertos.

Sou mais a palavra ao ponto de entulho. Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las, - até que padeçam de mim e me sujem de branco.

Por viver muitos anos dentro do mato Moda ave O menino pegou um olhar de pássaro - Contraiu visão fontana. Por forma que ele enxergava as coisas Por igual como os pássaros enxergam.

As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas. Consegui não descobrir.

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal : Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra dentro.

Um fim de mar colore os horizontes.

...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Eu via a natureza como quem a veste. Eu me fechava com espumas.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Afundo um pouco o rio com meus sapatos. Desperto um som de raízes com isso A altura do som é quase azul.

Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e achar o que não procurava.

Poesia é voar fora da asa.

Quando o mundo abandonar o meu olho. Quando o meu olho furado de beleza for esquecido pelo mundo. Que hei de fazer.

Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

O mundo não foi feito em alfabeto. Senão que primeiro em água e luz. Depois árvore.

A voz de uma passarinho me recita.

A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

A maior riqueza do homem é a sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito. Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa com janelas de aurora e árvores no quintal. Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores e ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.

Gosto de viajar por palavras do que de trem.

Há um comportamento de eternidade nos caramujos.

Aqui de cima do telhado a lua prateava

Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão – Antes que das coisas celestiais.

Só quem está em estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio.

A tarde está verde no olho das garças.

Deixei uma ave me amanhecer.

E agora o que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros?

Poetas e tontos são feitos com palavras

Sou fuga para flauta de pedra doce. A poesia me desbrava. Com águas me alinhavo”

“Sol, s.m. Quem tira a roupa da manhã e acende o mar”

“Poesia não é para compreender mas para incorporar Entender é parede: procure ser árvore.”

Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.

A inércia é o meu ato principal.

Meu fado é de não entender quase tudo. Sobre o nada eu tenho profundidades.

No osso da fala dos loucos têm lírios.

“(…) E, aquele Que não morou nunca em seus próprios abismos Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas Não foi marcado. Não será exposto Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.”

Liberdade busca jeito. Sou água que corre entre pedras. Quem anda no trilho é trem de ferro

Onde eu não estou, as palavras me acham.

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa Com janelas de aurora e árvores no quintal - Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores. O que desejo é apenas uma casa. Em verdade, Não é necessário que seja azul, nem que tenha cortinas de rendas. Em verdade, nem é necessário que tenha cortinas. Quero apenas uma casa em uma rua sem nome. Sem nome, porém honrada, Senhor. Só não dispenso a árvore, Porque é a mais bela coisa que nos destes e a menos amarga. Quero de minha janela sentir os ventos pelos caminhos, e ver o sol Dourando os cabelos negros e os olhos de minha amada. Também a minha amada não dispenso, meu Senhor. Em verdade ele é a parte mais importante deste poema. Em verdade vos digo, e bastante constrangido, Que sem ela a casa também eu não queria, e voltava pra pensão. Ao menos, na pensão, eu tenho meus amigos E a dona é sempre uma senhora do interior que tem uma filha alegre. Eu adoro menina alegre, e daí podeis muito bem deduzir Que para elas eu corro nas minhas horas de aflição. Nas minhas solidões de amor e nas minhas solidões do pecado Sempre fujo para elas, quando não fujo delas, de noite, E vou procurar prostitutas. Oh, Senhor vós bem sabeis Como amarga a vida de um homem o carinho das prostitutas! Vós sabeis como tudo amarga naquelas vestes amassadas Por tantas mãos truculentas ou tímidas ou cabeludas Vós bem sabeis tudo isso, e portanto permiti Que eu continue sonhando com a minha casinha azul. Permiti que eu sonhe com a minha amada também, porque: - De que me vale ter casa sem ter mulher amada dentro? Permiti que eu sonhe com uma que ame andar sobre os montes descalça E quando me vier beijar faça-o como se vê nos cinemas... O ideal seria uma que amasse fazer comparações de nuvens com vestidos, e peixes com avião; Que gostasse de passarinho pequeno, gostasse de escorregar no corrimão da escada E na sombra das tardes viesse pousar Como a brisa nas varandas abertas... O ideal seria uma menina boba: que gostasse de ver folha cair de tarde... Que só pensasse coisas leves que nem existem na terra, E ficasse assustada quando ao cair da noite Um homem lhe dissesse palavras misteriosas ... O ideal seria uma criança sem dono, que aparecesse como nuvem, Que não tivesse destino nem nome - senão que um sorriso triste E que nesse sorriso estivessem encerrados Toda a timidez e todo o espanto das crianças que não têm rumo...

Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal É maior do que o mundo.

Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto: Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa,. Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador. Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça. Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa Mais justa para cobrir sua noiva. A foto saiu legal.

O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa era a imagem de um vidro mole... Passou um homem e disse: Essa volta que o rio faz... se chama enseada... Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa. Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem.

Experimentando a manhã dos galos ... poesias, a poesia é - é como a boca dos ventos na harpa nuvem a comer na árvore vazia que desfolha a noite raíz entrando em orvalhos... floresta que oculta quem aparece como quem fala desaparece na boca cigarra que estoura o crepúsculo que a contém o beijo dos rios aberto nos campos espalmando em álacres os pássaros - e é livre como um rumo nem desconfiado...

Do lugar onde estou já fui embora

As coisas muito claras me noturnam.

Quando as aves falam com as pedras

A palavra amor anda vazia. Não tem gente dentro dela.

Sou água que corre entre pedras. Liberdade caça jeito.

Tudo que eu não invento é falso

A minha independencia tem algemas

Escrever nem uma coisa Nem outra - A fim de dizer todas - Ou, pelo menos, nenhumas. Assim, Ao poeta faz bem Desexplicar - Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

Por pudor sou impuro.

Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore. Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho. No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol, de céu e de lua mais do que na escola. No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo mais do que os padres lhes ensinavam no internato. Aprendeu com a natureza o perfume de Deus seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida no tronco das árvores só serve pra poesia. No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos. Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore porque fez amizade com muitas borboletas.

...que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.

Nasci para administrar o à-toa, o em vão, o inútil. Pertenço de fazer imagens. Opero por semelhanças. Retiro semelhanças de pessoas com árvores, de pessoas com rãs, de pessoas com pedras, etc. Retiro semelhanças de árvores comigo. Não tenho habilidade pra clarezas. Preciso de obter sabedoria vegetal.(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.) E quando esteja apropriado para pedra, terei também sabedoria mineral.

O fingidor O ermo que tinha dentro do olho do menino era um defeito de nascença, como ter uma perna mais curta. Por motivo dessa perna mais curta a infância do menino mancava. Ele nunca realizava nada. Fazia tudo de conta. Fingia que lata era um navio e viajava de lata. Fingia que vento era cavalo e corria ventena. Quando chegou a quadra de fugir de casa, o menino montava num lagarto e ia pro mato. Mas logo o lagarto virava pedra. Acho que o ermo que o menino herdara atrapalhava as suas viagens. O menino só atingia o que seu pai chamava de ilusão.

Eu sou o medo da lucidez. Choveu na palavra onde eu estava. Eu via a natureza como quem a veste. Eu me fechava com espumas. Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas. Peguei umas ideias com as mãos - como a peixes. Nem era muito que eu me arrumasse por versos. Aquele arame do horizonte que separava o morro do céu estava rubro. Um rengo estacionou entre duas frases. Um descor Quase uma ilação do branco. Tinha um palor atormentado a hora. O pato dejetava liquidamente ali.

Que a palavra parede não seja símbolo de obstáculos à liberdade nem de desejos reprimidos nem de proibições na infância etc. (essas coisas que acham os reveladores de arcanos mentais) Não. Parede que me seduz é de tijolo, adobe preposto ao abdômen de uma casa. Eu tenho um gosto rasteiro de ir por reentrâncias baixar em rachaduras de paredes por frinchas, por gretas - com lascívia de hera. Sobre o tijolo ser um lábio cego. Tal um verme que iluminasse.

No descomeço era o verbo. Só depois é que veio o delírio do verbo. O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos. A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois. Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos — O verbo tem que pegar delírio.

Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças, nem barômetros. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós. —