Livros de Fernando Pessoa

Sobre o Autor

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa foi um poeta e escritor português, nascido em Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura universal.

Melhores Livros de Fernando Pessoa

Entre o luar e o arvoredo Entre o luar e o arvoredo, Entre o desejo e não pensar Meu ser secreto vai a medo Entre o arvoredo e o luar. Tudo é longínquo, tudo é enredo. Tudo é não ter nem encontrar. Entre o que a brisa traz e a hora, Entre o que foi e o que a alma faz, Meu ser oculto já não chora Entre a hora e o que a brisa traz. Tudo não foi, tudo se ignora. Tudo em silêncio se desfaz.

AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas da roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração.

Noite Ó noite onde as estrelas mentem luz, ó noite, única coisa do tamanho do universo, torna-me, corpo e alma, parte do teu corpo, que eu me perca em ser mera treva e me torne noite também, sem sonhos que sejam estrelas em mim, nem sol esperado que ilumine do futuro.

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.

Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Ah, a Esta Alma Que Não Arde AH, a esta alma que não arde . Não envolve, porque ama, A esperança, ainda que vã, O esquecimento que vive Entre o orvalho da tarde. E o orvalho da manhã

Boa é a vida, mas melhor é o vinho. O amor é bom, mas é melhor o sono.

Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura...

... Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe porque ama, nem o que é amar Amar é a eterna inocência, E a única inocência, não pensar...

Tuda vale a pena quando a alma não é pequena

Eu amo tudo o que foi Tudo o que já não é A dor que já não me dói A antiga e errônea fé O ontem que a dor deixou O que deixou alegria Só porque foi, e voou E hoje é já outro dia.

Ah, a Esta Alma Que Não Arde AH, a esta alma que não arde . Não envolve, porque ama, A esperança, ainda que vã, O esquecimento que vive Entre o orvalho da tarde. E o orvalho da manhã

Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão...

Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é.

O verdadeiro cadáver não é o corpo (...), mas aquilo que deixou de viver(...)

Para sêr grande, sêr inteiro; nada teu exagera ou exclui; sêr todo em cada coisa; põe quanto és no mínimo que fazes; assim em cada lago, a lua toda brilha porque alta vive.

Não sei quantas almas tenho Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: Fui eu ? Deus sabe, porque o escreveu.

Sou um guardador de rebanhos, O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz.

A consciência da inconsciência da vida é o mais antigo imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes - brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias - que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem de suas secreções.

Os críticos podem dizer que determinado poema, longamente ritmado, não quer, afinal, dizer senão que o dia está bom. Mas dizer que o dia está bom é difícil, e o dia bom, ele mesmo, passa. Temos pois que conservar o dia bom em memória florida e prolixa, e assim constelar de novas flores ou de novos astros os campos ou os céus da exterioridade vazia e passageira.

Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez. O pensamento colectivo é estúpido porque é colectivo: nada passa as barreiras do colectivo sem deixar nelas, como real de água, a maior parte da inteligência que traga consigo.

Nada há que tão notavelmente determine o auge de uma civilização, como o conhecimento, nos que a vivem, da esterilidade de todo o esforço, porque nos regem leis implacáveis, que nada revoga nem obstrui. Somos, porventura, servos algemados ao capricho de deuses, mais fortes porém não melhores que nós, subordinados, nós como eles, à regência férrea de um Destino abstracto, superior à justiça e à bondade, alheio ao bem e ao mal.

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto.

Eu sou aquilo que perdi.

Todo o prazer é um vício, porque buscar o prazer é o que todos fazem na vida, e o único vício negro é fazer o que toda a gente faz.

O Homem é do tamanho do seu sonho.

Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu?

Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.

A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.