Livros de Alberto Caeiro

A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. Tenho escrito bastantes poemas. Hei-de escrever muitos mais, naturalmente. Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto. Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada, Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes ouço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido. Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço, Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos, Porque o digo como as minhas palavras o dizem. Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer coisa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Sobre o Autor

Alberto Caeiro

Alberto Caeiro, é considerado o mestre de todos os heterônimos de Fernando Pessoa. Segundo o seu criador "Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o

Melhores Livros de Alberto Caeiro

Mais frases de Alberto Caeiro

Pouco me importa. Pouco me importa o quê? Não sei: pouco me importa.

Pensar em Deus é desobedecer a Deus, Porque Deus quis que o não conhecêssemos, Por isso se nos não mostrou...

Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro. Não acredito que eu exista por detrás de mim.

Quem tem as flores não precisa de Deus

Passou a diligência pela estrada, e foi-se; E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia. Assim é a ação humana pelo mundo fora. Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos; E o sol é sempre pontual todos os dias.

O amor é uma companhia. Já não sei andar só pelos caminhos, Porque já não posso andar só. Um pensamento visível faz-me andar mais depressa E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo. Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo. E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar. Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas. Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela. Todo eu sou qualquer força que me abandona. Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela, E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela. Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala, E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança. Amar é pensar. E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela. Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela. Tenho uma grande distração animada. Quando desejo encontrá-la Quase que prefiro não a encontrar, Para não ter que a deixar depois. Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela. Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

Procuro despir-me do que aprendi Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu...

O meu olhar é nitido como um girrassol Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando pra direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança, se ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo...

DA MINHA ALDEIA Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo... Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura... Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

II - O Meu Olhar O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de, vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo... Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender ... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar ... Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar...

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

NEM SEMPRE SOU IGUAL Nem sempre sou igual no que digo e escrevo. Mudo, mas não mudo muito. A cor das flores não é a mesma ao sol De que quando uma nuvem passa Ou quando entra a noite E as flores são cor da sombra. Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores. Por isso quando pareço não concordar comigo, Reparem bem para mim: Se estava virado para a direita, Voltei-me agora para a esquerda, Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés - O mesmo sempre, graças ao céu e à terra E aos meus olhos e ouvidos atentos E à minha clara simplicidade de alma ...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é. Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem por que ama, nem o que é amar...

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, A nós, que não sabemos dar por elas. Mas que melhor metafísica que a delas, Que é a de não saber para que vivem Nem saber que o não sabem?

Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar. Mas as flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes.

QUEM ME DERA Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada, E que para de onde veio volta depois Quase à noitinha pela mesma estrada. Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas ... A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco... Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

O Tejo é mais Belo O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. O Tejo tem grandes navios E navega nele ainda, Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, A memória das naus. O Tejo desce de Espanha E o Tejo entra no mar em Portugal. Toda a gente sabe isso. Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia E para onde ele vai E donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia. Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Para além do Tejo há a América E a fortuna daqueles que a encontram. Ninguém nunca pensou no que há para além Do rio da minha aldeia. O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

XXXIV - Acho tão Natural que não se Pense Acho tão natural que não se pense Que me ponho a rir às vezes, sozinho, Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa Que tem que ver com haver gente que pensa ... Que pensará o meu muro da minha sombra? Pergunto-me às vezes isto até dar por mim A perguntar-me cousas. . . E então desagrado-me, e incomodo-me Como se desse por mim com um pé dormente. . . Que pensará isto de aquilo? Nada pensa nada. Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem? Se ela a tiver, que a tenha... Que me importa isso a mim? Se eu pensasse nessas cousas, Deixaria de ver as árvores e as plantas E deixava de ver a Terra, Para ver só os meus pensamentos ... Entristecia e ficava às escuras. E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.

XLIV - Acordo de Noite Acordo de noite subitamente, E o meu relógio ocupa a noite toda. Não sinto a Natureza lá fora. O meu quarto é uma cousa escura com paredes vagamente brancas. Lá fora há um sossego como se nada existisse. Só o relógio prossegue o seu ruído. E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima da minha mesa Abafa toda a existência da terra e do céu... Quase que me perco a pensar o que isto significa, Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca, Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou significa Enchendo com a sua pequenez a noite enorme É a curiosa sensação de encher a noite enorme Com a sua pequenez...

A Espantosa Realidade das Cousas A espantosa realidade das cousas É a minha descoberta de todos os dias. Cada cousa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. Tenho escrito bastantes poemas. Hei de escrever muitos mais. naturalmente. Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto. Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada. Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes oiço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido. Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo, Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos Porque o digo como as minhas palavras o dizem. Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer cousa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Assim Como Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade, Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada. Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada. Assim tudo o que existe, simplesmente existe. O resto é uma espécie de sono que temos, infância da doença. Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.

A guerra, como todo humano, quer alterar. Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito E alterar depressa. Mas a guerra inflige morte. E a morte é o desprezo do universo por nós. Tenso por consequência a morte, a guerra prova que é falsa. Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar. Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.

Não basta abrir a janela para ver os campos e o rio. Não é o bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há idéias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e o mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Passa uma Borboleta Passa uma borboleta por diante de mim E pela primeira vez no Universo eu reparo Que as borboletas não têm cor nem movimento, Assim como as flores não têm perfume nem cor. A cor é que tem cor nas asas da borboleta, No movimento da borboleta o movimento é que se move, O perfume é que tem perfume no perfume da flor. A borboleta é apenas borboleta E a flor é apenas flor.

Preciso despir-me do que aprendi. Desencaixotar minhas emoções verdadeiras. Desembrulhar-me e ser eu! Uma aprendizagem de desaprendisagem...

Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. (in O Guardador de Rebanhos)

( ... ) um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse , Que nunca é o que se vê quando se abre a janela .

Há metafísica bastante em pensar em nada.

Pensar é estar doente dos olhos

Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la, Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez, E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual. Ser real é isto.

(...) porque ser uma cousa é não significar nada. Ser uma cousa é não ser susceptível de interpretação.

As palavras que falham

Quem está ao sol e fecha os olhos, Começa a não saber o que é sol. (...) Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos De todos os filósofos e de todos o poetas.

O único sentido íntimo das coisas É elas não terem sentido íntimo nenhum

Não acredito em Deus porque nunca o vi Se ele quisesse que eu acreditasse nele, Sem dúvida que viria falar comigo E entraria pela minha porta adentro Dizendo-me, Aqui estou!

Uma vez amei, julguei que me amariam Mas não fui amado. Não fui amado pela única grande razão — Porque não tinha que ser. Consolei-me voltando ao sol e à chuva, E sentando-me outra vez à porta de casa. Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados Como para os que o não são. Sentir é estar distraído.

Para além da curva da estrada Talvez haja um poço, e talvez um castelo, E talvez apenas a continuação da estrada. Não sei nem pergunto. Enquanto vou na estrada antes da curva Só olho para a estrada antes da curva, Porque não posso ver senão a estrada antes da curva. De nada me serviria estar olhando para outro lado E para aquilo que não vejo. Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer. Se há alguém para além da curva da estrada, Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada. Essa é que é a estrada para eles. Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos. Por ora só sabemos que lá não estamos. Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva Há a estrada sem curva nenhuma.

Quando tornar a vir a Primavera Talvez já não me encontre no mundo. Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente Para poder supor que ela choraria, Vendo que perdera o seu único amigo. Mas a Primavera nem sequer é uma cousa: É uma maneira de dizer. Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes. Há novas flores, novas folhas verdes. Há outros dias suaves. Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto: Nunca fui senão uma criança que brincava. Fui gentio como o sol e a água, De uma religião universal que só os homens não têm. Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma, Nem procurei achar nada, Nem achei que houvesse mais explicação Que a palavra explicação não ter sentido nenhum. Não desejei senão estar ao sol ou à chuva — Ao sol quando havia sol E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa), Sentir calor e frio e vento, E não ir mais longe. Uma vez amei, julguei que me amariam, Mas não fui amado. Não fui amado pela única grande razão — Porque não tinha que ser.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. O que for, quando for, é que será o que é.

Nas cidades a vida é mais pequena Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que nossos olhos nos podem dar E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver

A espantosa realidade das coisas É a minha descoberta de todos os dias. Cada coisa é o que é, E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra, E quanto isso me basta. Basta existir para se ser completo. Tenho escrito bastantes poemas. Hei-de escrever muitos mais, naturalmente. Cada poema meu diz isto, E todos os meus poemas são diferentes, Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto. Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra. Não me ponho a pensar se ela sente. Não me perco a chamar-lhe minha irmã. Mas gosto dela por ela ser uma pedra, Gosto dela porque ela não sente nada, Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo. Outras vezes ouço passar o vento, E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido. Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto; Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço, Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar; Porque o penso sem pensamentos, Porque o digo como as minhas palavras o dizem. Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer coisa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Aceito por personalidade. Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos, Mas nunca ao erro de querer compreender demais, Nunca ao erro de querer compreender só com a inteligência, Nunca ao defeito de exigir do Mundo Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos... Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é, mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama. Nem sabe porque ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência E a única inocência é não pensar.

Para mim, graças a ter olhos só para ver, Eu vejo ausência de significação em todas as coisas; Vejo-o e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada. Ser uma coisa é não ser suscetível de interpretação.